O livro “Amor Líquido”, do sociólogo polonês Zygmunt Bauman, é de 2003, mas se faz atual a cada ano que passa. Na obra, Bauman fala sobre como as relações são frágeis e se tornaram descartáveis. E é exatamente isso que os especialistas entrevistados pelo UOL constatam nos consultórios de terapia quando o assunto é casamento.
Mas não precisa ser profissional para perceber esse fato, afinal, no seu círculo social deve ter ao menos um que acabou em dois, três e até cinco anos de união. Para o caso dos relacionamentos que não fizeram nem o primeiro aniversário depois do “sim”, houve aumento de 466,8% no número de casais que se separaram. Os dados são da última pesquisa de Estatísticas do Registro Civil do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), que comparou os dados de 2010 — primeiro ano do estudo com esse filtro de tempo — até os mais recentes de 2014.
Crises acontecem antes
A psicoterapeuta Marcia Barone, coordenadora do Núcelo de Atendimento e Pesquisa da Conjugalidade e Família do Instituto Sedes Sapientiae, em São Paulo, diz que diminuiu o tempo para um casal entrar em crise. De acordo com as informações da instituição, se entre 2000 e 2010 as pessoas procuravam a terapia quando já tinham de 11 a 20 anos de casamento, as queixas hoje chegam com relacionamentos de até cinco anos.
“O fim do preconceito com esse tipo de serviço pode ter influenciado, sim, a procura precoce. Mas a tendência do mundo atual, que vende a perfeição, é que as pessoas busquem também a relação perfeita e isso não existe. Nesse conteexto, é natural que a intolerância diante dos problemas vença a urgência da necessidade de uma vida feliz”, afirma.
Divórcios são mais comuns em casamentos de dois ou três anos
Ainda segundo os últimos números do IBGE, entre o primeiro e o quinto ano, os vencedores de divórcio são os casamentos de dois e três anos, com 17.988 e 17.962 separações, respectivamente, em 2015. Para a psicóloga e terapeuta sexual Maria Cristina Romulado, doutoranda na Unifesp (Universidade Federal de São Paulo) com uma tese sobre a satisfação conjugal, se o fim acontece antes disso “foi uma ilusão, uma paixão arrebatadora ou o sonho de se casar maior do que a vontade real de ficar junto”.
“Um ponto importante que faz os relacionamentos, em geral, durarem, são os planos, além dos sentimentos, claro. Quando o casal passa pelo ritual do casamento e depois pelas datas comemorativas –natal, réveillon, aniversários– e até as primeiras férias casados, no segundo ano já não tem o mesmo encanto a e aí no terceiro, diante de qualquer brecha ou insatisfação, termina. Nesses momentos de frustração, os projetos em comum dão grande suporte para a união.”
Dificuldade de se colocar no lugar do outro é um problema
A terapeuta acrescenta que é algo do momento atual, pois tudo está “mais fluido” e as relações estão no mesmo sentido. “As novas gerações não toleram esperar e têm dificuldade de se colocar no lugar do outro. Além disso, a liberdade de se relacionar proporciona esse movimento. O problema é que o custo emocional, que pode ser extremamente desgastante, não é levado em consideração.” A professora da PUC-SP (Pontifícia Universidade Católica de São Paulo) Rosa Maria de Macedo concorda com a tese de Maria Cristina. Ela diz que o significado do casamento mudou da base do amor romântico para algo que se faz apenas enquanto é “confortável e conveniente”.
“É uma mudança sociocultural, até mesmo pela aceitação e facilidade do divórcio. Hoje, a sexualidade e a busca pelo prazer e felicidade estão em primeiro lugar”, constata ela, que também coordena o curso de especialização em terapia familiar e de casal da universidade.
No mais, as especialistas afirmam que os números do IBGE seriam ainda maiores se pudessem constatar o fim de uniões informais, sem papel passado, que são cada dia mais comuns. “Estamos cada vez mais individualistas. Não há mais o desejo de fazer sacrifícios pelo outro, pelo relacionamento”, fala Rosa Maria.